Alienação parental: os perigos da guarda compartilhada na formação da criança no Brasil do século XXI
O ano é 2020 e a história é a seguinte: um homem e uma mulher, em determinado ponto de suas vidas, provavelmente em momento de grande amor e paixão um pelo outro, casam, vão morar juntos e têm um filho. A vida continua e, entre diversos problemas, ambos começam a ter pequenos desentendimentos. Mas, a situação se agrava, as brigas tornam-se mais constantes: desrespeito, xingamentos e, em meio a tudo isso uma criança. Ocorre o divórcio e apenas um deles fica com o menor. Diante da dor e abalo emocional em que o responsável pela criança se diz inserido, começa a difamar o outro genitor na frente da criança com frases como: ” […] não presta”, ” […] não gosta de você”, ” […] nunca te quis”,… e os argumentos são diversos. É justamente nesse ponto em que ocorre a alienação parental. Um dos pais ou responsável pela criança, começa a influenciar, gerar uma “alienação” na criança, a fim de que ela realmente acredite que é vítima de alguém que não a ama. A alienação parental é o processo pelo qual um dos genitores ou responsáveis pela criança, gera uma alienação no infante com o intuito de que esse último repudie um dos genitores ou ocasione alguma lesão na manutenção dos vínculos com o mesmo.
Lei nº. 12.318/10 – Lei da Alienação Parental[1]
Com o intuito de evitar que casos como o narrado anteriormente ocorram, em 26 de agosto de 2010 foi criada a Lei 12.318/10. Essa lei, em seu artigo 2º, define:
Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010.
Este artigo de Lei ainda determina que, além de atos declarados pelo juiz ou constatados por perícia, são exemplos de alienação parental os seguintes:
- realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
- dificultar o exercício da autoridade parental;
- dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
- dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
- omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
- apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
- mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Entretanto, apesar da existência da Lei e de inúmeros processos que utilizam a mesma – de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, foram registrados pelo menos 5.688 casos que envolvam o tema entre 2015 e 1027 -, há ainda diversos questionamentos e discussões sobre ela. Alguns dos principais argumentos contrários expressam que esta lei:
- não foi construída sobre bons fundamentos. Além disso, na época em que foi votada não houve amplo debate sobre o tema.
- nem sempre é aplicada de forma correta.
- favorece casos de abuso sexual, uma vez que afastar a criança do genitor ou, até mesmo, mudanças de domicílio que visam o afastamento da criança podem também ser consideradas alienação parental.[2]
Roda dos Expostos
A alienação parental, independentemente quem a está provocando, é apenas mais uma das formas de gerar uma infância abandonada. Nesse sentido, em 1726 foi construída no Bahia, o primeiro exemplar brasileiro da “Roda dos Expostos”[3]. Um dispositivo de madeira, com um buraco de mais ou menos 50 centímetros, que ficava instalada em instituições de caridade, como mosteiros e irmandades beneficentes. O buraco ficava virado para o lado da rua e, dentro da roda, qualquer pessoa que não se sentisse apta poderia ali deixar o seu bebê e girar a roda. Dessa forma, com a roda virada para o lado de dentro e fechada para a rua, a criança que ali havia sido deixada passava a ser criada por novas mãos. Ao tocar o sino da roda as entidades beneficentes sabiam da chegada de uma nova criança. Durante os anos 1825 e 1950, somente na roda que operava na Santa Casa paulista, foram deixadas 4696 crianças.[4]
Para quem quiser conhecer a história de alguns sobreviventes da Roda dos Expostos esse artigo da Veja São Paulo traça alguns retratos muito interessantes. É importante que esse tipo de narrativa seja visto não apenas por números, mas também por história de pessoas que realmente vivenciaram essa situação.
Dados Socieconômicos
Para ajudar a esclarecer sobre o tema, alguns dados podem ser bastante relevantes. De acordo com o último censo do IBGE (2010), alguns dados podem ser evidenciados:
- 37,3% das famílias brasileiras possuíam mulheres como responsáveis. Sendo que, 87,4% dessas mulheres possuem filhos e não possuem cônjuge.
- As mulheres brasileiras são responsáveis por contribuir, em média, com 40,9% da renda familiar.[5]
- A população era dividida da seguinte forma: cerca de 93,4 milhões de homens e 97,3 milhões de mulheres.
Além disso, o IBGE também possui dados acerca do perfil das crianças brasileiras. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018:
- As crianças representam 17% de toda a população, sendo 50,9% do sexo masculino e 49,1% do sexo feminino.
- 83,5% das crianças vivem em áreas urbanas, contra 16,5% na área rural.
- 49,8% delas são pardas, 42,4% são brancas, 6,9% são pretas e apenas 0,9% são amarelas ou indígenas.[6]
O IBGE ainda apresenta os seguintes dados:
- As mulheres dedicavam cerca de 18,1 horas semanais aos cuidados domésticos e/ou de pessoas, enquanto os homens representam 10,5 horas (2016).
- 35,6% das mulheres de 20 a 24 anos responderam que estiveram casadas ou em uma união antes dos 18 anos (2006).[7]
Citações
Filhos… Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos. Como sabê-los?
Vinicius de Moraes em “Poema Enjoadinho”, Rio de Janeiro, 1954 | Poeta, cantor e compositor Brasileiro
Verificado através do site do autor.
Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Mas poucas se lembram disso.
Antoine Saint Exupery em “O Pequeno Príncipe” | Escritor, ilustrador e piloto francês
Verificado através do livro original.
Ela não manteve nada para ela mesma. Porque ela não tinha fome. Porque ela era uma mãe.
Victor Hugo | Romancista, poeta e ensaísta francês.
Frase orighinal: “She Has Kept None for Herself” “Because She Is Not Hungry” “Because She Is a Mother”, verificado através do site Quote Investigator.
O que é um adulto? Uma criança inchada pela idade.
Simone de Beauvoir em “La Femme rompue: L’Age de discrétion” | Escritora e intelectual francesa
Frase original: “Qu’est-ce qu’un adulte? Un enfant gonflé d’âge“, verificado através do site wikiQuote.
Materiais de apoio
Lei nº. 12.318/10 – Lei da Alienação Parental
Lei que dispõe sobre os conceitos base, exemplos e aplicações da Alienação Parental.
Alienação Parental | Brasil Escola
Artigo bastante completo sobre alienação parental, que aborda desde conceitos de família, exposição e até discussão sobre a lei.
Fontes
[1] Lei nº. 12.318/10 – Lei da Alienação Parental
[2] Revista Exame | Lei da Alienação Parental: problema ou solução? Debate esquenta
[3] A infância do Brasil | Século XVIII: os enjeitados
[4] Veja São Paulo | A história de paulistanos deixados na roda dos expostos da Santa Casa
[5] IBGE | Estatísticas de Gênero
[6] IBGE | Perfil das crianças no Brasil
[7] IBGE | Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil