Empatia, tempos de crise e a busca pelo pôr-do-sol

“- No dia dos quarenta e quatro você estava tão triste assim?”
“Mas o pequeno príncipe não respondeu.”

Antoine de Saint-Exupéry em “O Pequeno Príncipe”.

A citação acima é um dos trechos mais marcantes do livro “O Pequeno Príncipe”, do escritor francês Antoine Saint-Exupéry, e ela demonstra, de forma muito sutil, um exemplo de empatia. Para entender um pouco melhor de que forma a empatia é construída nesse trecho da história cabe contar um pouco mais do contexto. No trecho citado, o interlocutor da história estava conversando com o Pequeno Príncipe, e o protagonista explicou que vinha de um planeta muito, muito pequeno, no qual era possível ver um novo pôr-do-sol somente de puxar a cadeira um pouco para o lado. E acrescentou “Sabe… Quando a gente está muito triste, gosta dos pores do sol…”. O interlocutor, ao ouvir o comentário, lembrou que o príncipe havia comentado, pouco antes, que um dia havia visto quarenta e quatro pores do sol. E então, nesse contexto, constrói-se um típico exemplo da empatia, quando o narrador preocupa-se com o príncipe e pergunta se o mesmo estava muito triste no dia em que viu tantos pores do sol. O silêncio que se segue através do príncipe é a mais triste das respostas.[1]

Vivemos tempos incertos, e as manchetes dos jornais confirmam esse estado. Ao abrir o site Terra as duas principais notícias são as seguintes: “Japão levanta estado de emergência, mas pede cautela” e “PF [Polícia Federal] faz operação para apurar desvio na compra de respiradores”. Diante de uma crise de saúde a níveis mundiais o mundo tornou-se um cenário atípico. Aprendemos – da pior forma – o que significa uma “pandemia”. Porém, em tempos extremos outras definições também nos são imprescindíveis. De acordo com o dicionário Aurélio online, a primeira definição de empatia que esse expõe é a seguinte:

Ação de se colocar no lugar de outra pessoa, buscando agir ou pensar da forma como ela pensaria ou agiria nas mesmas circunstâncias.

Entretanto, quantas vezes somos capazes de, em meio aos nossos problemas, nos colocar no lugar do outro? Uma das manchetes do site Terra, citado acima, deixa claro o quanto, muitas vezes, somos infelizes em meio a essa missão. Afinal, enquanto milhares de pessoas morrem em todo o mundo, há muitos que tentam aproveitar-se da situação, como é o caso de indivíduos que, em um momento de imensa fragilidade, desviam dinheiro da saúde, de compra de respiradores, para benefício próprio (imagem a seguir).

Notícia do site Terra que diz o seguinte: "PF [Polícia Federal] faz operação para apurar desvio na compra de respiradores"
Imagem de manchete no site Terra, no dia 25 de maio de 2020.

Apesar de todos os inconvenientes, nem somente notícias ruins nos são apresentadas em tempos extremos. Nada mais justo, para ilustrar, que apresentar uma das notícias que hoje aparece no jornal O Globo: “Onda de solidariedade salva o Bar da Pracinha, no Alto da Boa Vista”. De acordo com a notícia, também de 25 de maio, uma campanha de frequentadores de um típico bar carioca fez com que o mesmo deixasse de fechar, uma vez que vários clientes se uniram para fazer compras através de delivery. O bar, que funciona desde 1943, nunca havia atendido em modelo de entregas. E a empatia pode ainda se expressar de diversas outras maneiras, como no exemplo a seguir.

Você já ouviu falar do trabalho da fotógrafa e ativista suíça, naturalizada brasileira, Claudia Andujar? Ela é um dos grandes expoentes da história da arte brasileira e dedica-se, desde 1970, à defesa dos índios Yanomami. As fotos da artista são um retrato expresso de empatia.

Foto da exposição da autora Claudia Andujar localizada no Inhotim, em Minas Gerais. Mostra
Créditos: acervo da autora do artigo. Foto tirada no Inhotim, Minas Gerais, em galeria dedicada à Claudia Andujar.

A fotógrafa dedicou parte extremamente significante de sua vida para lutar, através de fotos e ativismo, pela causa Yanomami. Nos anos 1970 chegou a deixar São Paulo para viver na Amazônia, entre os estados de Roraima e Amazonas. A beleza expressa nas fotos por ela tiradas são o real exemplo de empatia. Em seu primeiro contato com a comunidade indígena ela não falava a língua deles, e nem eles a dela, e é assim que a fotógrafa se expressa quanto a isso: “Eu diria que meu primeiro contato com eles foi através do sorriso”. De acordo com Claudia, ela levava em torno de uma, duas, até três semanas para tirar a máquina de sua bolsa. Nesse contexto, a definição de empatia enquanto colocar-se no lugar do outro passa a fazer mais sentido. É preciso entender a cultura, o momento, os sentimentos, para somente então, podermos sentir empatia. O vídeo a seguir, da exposição “Claudia Andujar: a luta Yanomami”, realizada no Instituto Moreira Sales (IMS), apresenta um breve relato da artista bem como algumas de suas fotos carregadas de significado.

Mas como comparar a empatia que a fotógrafa utiliza em suas fotos com o momento em que vivemos? Para explicar melhor esse ponto eu proponho um desafio.

Por alguns instantes foque em esquecer todos os seus problemas. Esqueça que existem trabalho, faculdade, estudos, preocupações, problemas pessoais e todo o resto que te aflige. Agora, pense nos problemas de todo o mundo, por mais triste que possa parecer, absorva essa problemática, não a fim de enterrar-se com ela, mas para entender. Não pense em pessoas que perderam um ente querido como mais um número que se foi, mas dê nomes a essas pessoas que nos deixaram, e acrescente uma história a elas. Como elas viveram? Quando nasceram? Que filme assistiam quando queriam ficar felizes? Qual será que era a comida preferida? Quanto bem essa pessoa pode ter feito? Nesse momento você começa a se colocar no lugar do outro, assim como a Claudia Andujar quis entender e conhecer a história dos Yanomamis, nós, se quisermos ajudar, precisamos nos colocar no lugar das outras pessoas e entender que nunca estamos falamos de números, mas sempre de pessoas. Pessoas com histórias, uma vida e que, muito possivelmente, tinham uma comida preferida ou, até mesmo, algum hábito estranho que não contavam a ninguém. Pessoas que talvez gostassem de ver o pôr-do-sol em seus momentos de tristezas.

E então, para viver e sentir a empatia, ao pensar em todos esses que nos deixaram, que passam por problemas, que têm uma história para contar, pergunte também para eles: como vocês estavam no dia que viram quarenta e quatro pores do sol? E eu espero que, de coração, a gente consiga se conectar a essas pessoas, e que a resposta a essa pergunta deixe de ser silêncio e passe a ser ação para cada um de nós.

Fontes utilizadas:

[1] O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry
[2] Dicionário Aurélio
[3] Terra
[4] Jornal O globo
[5] G1