A escassez de água no planeta exige cada vez maior urgência. Entretanto, qual o motivo? Além disso, de que forma isso se relaciona com a desigualdade social? Será mesmo que a crise hídrica influencia as populações mais vulneráveis?
A escassez de água afeta, aproximadamente, 40% das pessoas em todo o mundo. Ademais, segundo estimativas das Nações Unidas e do Banco Mundial, devido às secas 700 milhões de pessoas podem precisar se deslocar em 2030. Ao longo do século 20, o uso mundial de água cresceu mais do que o dobro da taxa de crescimento populacional. Essa discrepância faz com que muitas cidades precisem racionar água em todo o globo, entre elas: Roma, Cidade do Cabo, Lima e municípios do Brasil.
A crise da água figura, desde 2012, entre os cinco maiores perigos na lista de Riscos Globais por Impacto do Foro Econômico Mundial.1 Ou seja, é bastante notável a emergência que esse recurso natural tão valioso tem causado. Porém, em um caso extremo, quem serão os reais afetados por tal problema?
A desigualdade social é um problema claramente notado não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A pandemia do coronavírus deixou ainda mais claro de que forma ela ocorre nos cenários social e econômicos brasileiros. Durante a primeira onda do vírus, em 2019, mais de 30% dos brasileiros necessitaram do auxílio de R$600 aprovado pelo Congresso, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em julho de 2020.2
Além disso, quando analisamos o cenário mundial a desigualdade é ainda mais escancarada. Enquanto os 5 países mais ricos do mundo são responsáveis por 48,5% das doses de vacinas aplicadas, os 5 países mais pobres – considerando apenas nações nas quais foram divulgados dados – não representam nem 1% de todas as vacinas aplicadas. Grande parte de países da África não possuem sequer 1% ou 2% de sua população imunizada.3
A escassez de água no Brasil
Você consegue lembrar quantas vezes já ouviu falar que o Brasil é um dos países mais ricos em água doce do mundo? Provavelmente muitas. Entretanto, como pode, em um país tão rico, faltar água?
Em 2019, a Agência Nacional de Águas (ANA) divulgou a “Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil”. De acordo com essa publicação, apesar de o país possuir grande disponibilidade hídrica, existem alguns problemas:
- A água é distribuída de forma desigual em todo o território;
- A água é utilizada de forma intensiva;
- Há vários problemas decorrentes da poluição hídrica.
Ainda de acordo com essa publicação, uma das grandes responsáveis pela alimentação dos leitos dos rios é a chuva. A entrada pluviométrica é responsável por boa parte do abastecimento dos rios, entretanto, devido à extensão territorial do país, ela ocorre de forma desigual.
A precipitação média anual do Brasil é de 1.760 mm, mas por causa das suas dimensões continentais, o total anual de chuva varia de menos de 500 mm na região semiárida do Nordeste, a mais de 3.000 mm na região Amazônica
Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil, 2019. 4
Apesar de cerca de 260 mil m³/s de água circularem pelo território brasileiro, cerca de 80% desse total encontra-se na bacia Amazônica. Para ajudar a resolver esse problema e levar mais água a regiões com maior população são construídos os chamados reservatórios artificias.5
Ou seja, a partir dessa análise é fácil perceber que o Brasil não é apenas um país rico, mas também desigual com relação à disponibilidade de água. Regiões como o Nordeste brasileiro são as que normalmente mais sofrem com isso, uma vez que as temperaturas altas e o clima semiárido ajudam a potencializar a baixa disponibilidade hídrica. No entanto, não são as únicas regiões afetadas e, com isso, fica clara a importância de mantermos os cuidados constantes com as águas nacionais.
Você provavelmente já ouviu falar sobre o quanto o Brasil é um país desigual. Afinal, isso não é nenhuma novidade. Entretanto, você tem real consciência sobre o quanto ele é discrepante?
Para falar sobre desigualdade social podemos citar tanto fatos quanto dados. Com relação aos fatos, não é difícil perceber em cidades como, por exemplo, o Rio de Janeiro, na qual as favelas coexistem em meio a regiões que possuem extremas riquezas. Entretanto, esse é apenas um exemplo de muitos que vemos diariamente. Aumento da população de rua, falta de acesso e dificuldades econômicas não são realidades muito distantes. Porém, quais são os reais percentuais dessa disparidade social?
Para falar sobre dados utilizaremos primeiro o indicador chamado Índice Gini, indicador este, criado pelo matemático Conrado Gini, que mede o grau de concentração de renda. Esse coeficiente varia de 0 (sem desigualdade) a 1 (desigualdade extrema), embora algumas fontes utilizem a base de 0 a 100 para melhor visualização. De forma prática, o índice compara os 20% mais pobres com os 20% mais ricos de um determinado grupo.6
De acordo com pesquisa divulgada na CNN Brasil, em 2020 o Brasil era o líder em desigualdade mundial de acordo com o Índice Gini. Em 2019 o índice brasileiro era de 88,2 e em 2020 atingiu 89. Os países que seguiram com altos níveis de disparidade social foram Rússia (2º lugar – 87,8) e Estados Unidos (3º lugar – 85).7
Reforçando a existência da desigualdade nas terras tupiniquins, no relatório sobre riqueza global (Global wealth report 2021), elaborado e divulgado pelo banco Credit Suisse, a quota de riqueza dos 1% mais ricos do país representava quase 50% de toda a riqueza nacional em 2020 (49,6%), nível mais alto dos últimos 20 anos. A título de comparação, em 2000 esse índice era de 44,2% e em 2010 chegou a 40,5%.8
Mas afinal, o que a água tem a ver com tudo isso?
Claro que a água sozinha não é a culpa de todos os males no Brasil, tampouco mundial. Por outro lado, a desigualdade também não cumpre sozinha esse papel. O tempo inteiro somos afetados por uma gama intensa de fatores internos e externos, que passam desde má decisões governamentais a grandes desastres naturais (ou não).
Entretanto, conforme comprovado anteriormente, tanto a água quanto a desigualdade social são dois grandes problemas nacionais e, também, em grande parte do mundo. Ao mesmo tempo que o Brasil é um país extremamente rico, muitos não chegam a ver essa riqueza.
Para entender de que forma a crise hídrica influencia o percentual mais pobre da população imagine o seguinte exemplo: a água está começando a faltar no país. Diversos estados começam a viver um cenário de racionamento. Além disso, o Brasil é ainda um país totalmente dependente de hidrelétricas para geração de energia (63,8% da energia nacional advém dessas fontes9). Devido à isso, a falta de água também prejudica a produção de energia, e isso não sobe apenas o preço da conta de água, mas a conta de energia fica também muito mais cara, passando a adotar a chamada “bandeira vermelha”. Para piorar a situação, praticamente tudo depende de água ou de energia para ser produzido, com isso o preço dos alimentos dispara. E sabe qual o maior problema desse exemplo? Ele não é somente um exemplo, é a realidade que muitos estados brasileiros vivem, em pleno século XXI.
Porém, para ficar mais claro como isso afeta os mais pobres, imagine os dois seguintes casos:
- João trabalha com serviços gerais. Ele recebe um salário mínimo, R$1.100.
- André é Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Seu salário, sem contar benefícios, é de R$37.328.10
Tanto João quanto André ano passado gastavam cerca de R$300 reais com a conta de luz, hoje, devido à vários aumentos seguidos, a conta passou para R$400. Além disso, também subiu a conta de água, cerca de R$50. Devido à esses aumentos, os alimentos atingiram valores record. Cada um deles gasta em média de R$100 a R$200 a mais para comprar a mesma quantidade de alimentos que compravam antes.
E agora eu pergunto, quem você acha que vai sofrer mais com esses aumentos? Para João, se somarmos tudo (R$400 + R$50 + R$200 = R$650), isso vai equivaler a quase 60% do salário dele, sem considerar contas como aluguel, saúde e outros. Para o André isso não chega a 2% de seu salário. Dessa forma, fica claro o quanto uma “simples crise hídrica” afeta, diretamente, o bolso dos mais pobres.
Repertório Sociocultural
Dados estatísticos e fatos históricos
- Em 2019, o índice de Gini (Índice de desenvolvimento humano que mede a concentração de renda nos países) apontou o Brasil como campeão em desigualdade. Em 2017, o país ocupava a sétima posição. O rendimento domiciliar per capita do Brasil foi de 0,543, recuando em relação a 2018 (0,545), mas representando um aumento em relação a 2012 e a 2015.
- Um levantamento pelo site G1 mostrou que em 1991 a superfície hídrica do Brasil era de 19 milhões de hectares. Em 2020, essa área foi reduzida para 16,6 milhões de hectares, uma redução equivalente a mais de uma vez e meia a superfície de água de toda região Nordeste em 2020.
Filmes, séries e documentários
- “A Lei da Água” Dirigido por André D’Elia e produzido por Fernando Meirelles, A Lei da Água é um documentário que explica a relação entre o novo Código Florestal, aprovado pelo Congresso Nacional em 2012, e a crise hídrica brasileira. O filme mostra a importância das florestas para a conservação dos recursos hídricos no Brasil. O filme está disponível, na íntegra, no YouTube.
- “Oceanos de Plástico” A equipe de documentaristas visitou mares de todo o mundo, mergulhou com baleias, investigou as profundezas e flagrou situações extremas de contaminação, sempre acompanhando de perto o trabalho de pesquisadores que conduzem estudos de ponta sobre o tema. O filme está disponível na plataforma Netflix e também no YouTube.
- “Ouro Azul – as guerras mundiais pela água” inspirado no livro “Ouro Azul”, de Maude Barlow e Tony Clarke, o filme venceu diversos prêmios internacionais. Dirigido por Sam Bozzo, o documentário mostra que o avanço da agricultura, da construção e da indústria, somados à apropriação privada dos recursos hídricos, tem fomentado conflitos no mundo todo. O filme está disponível, na íntegra, no YouTube.
Possíveis propostas de intervenção
- Ministério do Meio Ambiente, instituições de ensino, famílias e ONGs voltadas à questão ambiental devem se envolver em campanhas educativas que apresentem os malefícios do desperdício desenfreado de água, estimulando iniciativas alternativas, como a economia de compartilhamento e de redução;
- Investimentos governamentais federais, estaduais e municipais à longo prazo para melhorar a qualidade da educação, combater o analfabetismo funcional e proporcionar inserção no mercado de trabalho, minimizando a desigualdade social;
Citações para redação
Art. 3. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Constituição Federal de 1988, no que diz respeito aos princípios fundamentais, artigo 3. 11
A água é um direito humano. Ninguém deve ter esse acesso negado.
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, ao assinalar o Dia Mundial da Água, no dia 22 de março de 2019.12
Lembre-se: você é metade água. Se não puder atravessar um obstáculo, contorne ele.
Margaret Atwood | romancista e ensaísta canadense. Frase original: “Remember You Are Half Water. If You Can’t Go Through an Obstacle, Go Around It“. 13
Fontes e referências
- Crise hídrica – reportagem do G1
- Noticia Agente Senado
- Ciência e desigualdade social no Brasil | Quack Redação
- Agência Nacional de Águas
- Agência Nacional de Águas
- O que é? – Índice Gini | ipea
- Desigualdade no Brasil cresceu (de novo) em 2020 | CNN Brasil
- The Global wealth report 2021 | Credit Suisse
- Fontes de energia renováveis representam 83% da matriz elétrica brasileira | gov.br
- Descubra quanto ganha um membro do poder judiciário | Guia da Carreira
- Verificado através do site do Senado Federal.
- Verificado através do site Unric.
- Verificado através do site Quote Investigator.