O abandono afetivo e suas consequências na sociedade brasileira | Argumentos para Redação

O abandono afetivo pode comprometer o desenvolvimento e a formação humana de um individuo. Como e por quê isso acontece? Quais as consequências desse tipo de abandono dentro da sociedade brasileira?

As unidades familiares, de acordo com a Constituição Brasileira, são uma das responsáveis pela criação, educação, sustento material e afetivo, bem como do desenvolvimento e formação social das crianças, jovens e adolescentes.1

Ao longo dos anos, os filhos começam a criar relações de afeto, constituindo formas de como relacionar-se com outras pessoas. Os pais então, são as figuras responsáveis para que a sua relação com seus filhos seja a mais harmônica possível, pois somente assim será formada a identidade destes, pois é através desta relação que os filhos têm o primeiro contato com os seres humanos. É bastante comum que as crianças tendam a seguir os exemplos de seus pais, sendo de suma importância terem presentes a figura materna e a paterna em sua formação.

O abandono afetivo consiste na prática de negligenciar afetivamente os filhos. Ou seja, um dos genitores, ou até mesmo os dois, não prestam assistência psíquica, moral e/ou social aos filhos. Além disso, omitem cuidados referentes a criação e educação deles. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 12 milhões de lares são chefiados por mães solteiras. Só em 2020, mais de 80 mil crianças foram registradas sem o nome do pai no documento.2 Uma criança que não recebe carinho, cuidado e proteção dos genitores, lida com os sentimentos de abandono, rejeição, desprezo e indiferença, o que pode desencadear transtornos psicológicos, como depressão e baixa autoestima. É certo que esse distanciamento físico e emocional entre a criança e o genitor causa dano, que pode ser moral e indenizável.

Portanto, é notório o direito do menor em ser criando do seio da unidade familiar, sendo imprescindível para o desenvolvimento saudável deste. Ocorrendo descumprimento deste direito ocorrerão danos que no decorrer da vida do menor, será de forma irreparável, causando neles revoltos, e assim desencadeando problemas psicológicos na formação humana.

Tipos de abandono parental

Apesar de o abandono afetivo ser bastante comentado é importante ressaltar que existem, ainda, outros tipos de abanodo parental. São eles:

  • Abandono Material: ocorre quando um pai/mãe deixam de oferecer, sem justificativa, o sustento material da criança ou jovem menor que 18 anos. Isso ocorre quando não são disponibilizados os recursos necessários ou na ausência do pagamento de pensão, por exemplo. Além disso, outro caso em que isso ocorre é quando um filho necessidade de assistência médica em meio a uma necessidade grave e ela não é garantida.
  • Abandono Intelectual: ocorre quando um dos genitores ou responsáveis não garante o direito à educação primária de seu filho, ou seja, é preciso garantir a permanência na escola entre os 4 a 17 anos, evitando assim a evasão escolar e assegurando os direitos da criança ou adolescente.
  • Abandono afetivo: conforme já explicado, este ocorre quando os pais deixam de prover o cuidado, o carinho, a atenção que uma criança ou jovem necessita. Válido notar que o abandono afetivo independe de terem ocorrido o abandono material ou intelectual.3

Principais causas

Entre as diversas causas do abandono afetivo está o fato do rompimento de laços afetivos entre filhos e pais. Em muitos casos, isso acontece após o evento traumático do divórcio, quando o pais e mães resolvem se separar, e a presença na vida de seus filhos passa a ser mais dificultada (quer seja por alienação parental ou abandono afetivo propriamente dito), visto que as visitas começam a diminuir e o apoio emocional acaba sendo facultativo por parte do genitor(a) que não mora com o filho(a) – no caso de filhos que abandonam os pais também.

Em tempo, é importante considerar que não se trata apenas de amparo material ou, ainda, da simples presença física do indivíduo na vida do(s) provável afetado(s), mas sim da promoção e manutenção da afetividade para com eles.

Dessa forma, pagar a pensão ou fazer visitas esporádicas não permite com que essa manutenção seja de fato realizada pelos entes responsáveis, caracterizando negligência jurídica e humana da parte que abandona na falta de preocupação em manter os laços e uma boa relação interpessoal, já que a Constituição Brasileira estabelece que é dever da família proteger a criança, o adolescente e os seus idosos de qualquer forma de negligência.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, ao abordar o assunto, afirma ser indispensável a presença dos elementos descritos acima para que seja possível a caracterização deste tipo de responsabilidade, conferindo especial ênfase à necessidade de provar o dano decorrente do abandono, nos seguintes termos:

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada.

A ausência injustificada do pai origina – em situações corriqueiras – evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógica) que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, 2007.4

Principais consequências

Quando as relações afetivas entre pais e filhos são desfeitas pelo abandono, não só o que está instituído nas normas das leis jurídicas é descumprido, mas também as leis do coração. São inúmeras as consequências e efeitos promovidos pelo abandono afetivo, que vão desde o sofrimento psicológico criado pelo vazio existencial da ausência no convívio familiar e a construção conturbada da personalidade das pessoas envolvidas (principalmente nos casos de crianças e adolescentes) até a desassistência moral.

O convívio com os pais e familiares é fundamental para a formação da personalidade da criança, e havendo ausência da presença desses familiares os danos psicológicos são graves irreparáveis, já que o vazio causado pela falta do ente não pode ser reparado depois que os mesmos voltem a simplesmente ter maior contato com seus filhos. Além disso, em 2021, tramita um projeto de lei que defende os pais que abandonarem seus filhos e de mesmo modo filhos que abandonarem seus pais correm o risco de serem condenados ao pagamento de indenizações por danos morais. Essa proposta prever indenização por dano moral nos casos abandono afetivo de filhos ou de pais idosos, e foi aprovado na forma de Projeto de Lei5, do ex-deputado Carlos Bezerra (MT). O projeto de lei ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Direitos constitucionais

Quanto aos direitos e garantias das crianças e adolescentes, a constituição não foi omissa, resguardando a estes sujeitos os mesmo direitos garantidos aos adultos. Nesse sentido, vem o artigo 227 da Constituição Federal nos afirmar:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Constituição Federal de 1988. 6

Em outras palavras, o que esse artigo nos diz que é obrigação tanto da família, como do Estado, garantir de forma ampla a criança e adolescente os direitos básicos fundamentais, sendo eles a saúde, educação, proteção, alimentação, lazer, dignidade, convivência familiar e o respeito, devendo proteger-lhes de todas as formas de violência, negligência, exploração.

É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família, e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.

Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 19.7

Repertório Sociocultural

Dados estatísticos e alusões históricas

  • Dados de pesquisas: 42% dos casos de violência acontecem dentro de casa, de acordo com ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2018);
  • Pensadores: Alusão ao pensamento de Zygmunt Bauman (“Modernidade Líquida”) e à fraqueza dos laços familiares, sendo facilmente substituídos por aparelhos digitais e relações virtuais;
  • Alusões históricas: família nuclear patriarcal – desde os séculos passados, advinda de uma perspectiva da família romana e como isso pode dificultar um olhar horizontal e afetivo dentro das famílias.

Filmes, documentários e músicas

  • Filmes e documentários sobre a questão da família no Brasil: “Juno”, “Preciosa”, “Mais ou Menos Grávidos”, “Os garotos da minha vida”, “Meninas”, “Matilda”;
  • Música: “Família”, da banda Titãs; “Mine” da Taylor Swift; “Family Portrait” da P!nk

Possíveis propostas de intervenção

  • Garantia da preservação dos direitos da criança e do adolescente, estes que consta na ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), por meio de maior fiscalização de leis;
  • Maior capacitação técnica da comunidade escolar (professores, psicólogos, coordenadores, disciplinários) e das famílias para identificarem o problema e agirem de forma eficaz, por meio de eventos promovidos pelo Ministério e pelas Secretarias de Educação, com o auxílio de profissionais de saúde;
  • Maior esclarecimento sobre o assunto, de forma acessível, na grande mídia e na comunidade escolar, a fim de mostrar que esses sintomas não são “frescura” e quebrar tabus;
  • Campanhas midiáticas relacionadas à violência doméstica/familiar, com telefones para denúncia e tentativa de reconhecimento dessas situações;
  • Expansão das políticas públicas de assistência social voltadas a famílias em situação de risco psicossocial, incluindo a ação mais efetiva dos Conselhos Tutelares;

Citações para redação

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Constituição Federal de 1988, no que diz respeito aos princípios fundamentais, artigo 3. 8

Fontes e referências

  1. Artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
  2. IPEA Pesquisa de lares
  3. Entenda a diferença entre abandono intelectual, material e afetivo, Jusbrasil.
  4. Pressuposto, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo.
  5. Projeto de Lei 4294/08
  6. Artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
  7. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
  8. Verificado através do site do Senado Federal.