Com o aumento da expectativa de vida, o crescimento da população de idosos, em números absolutos e relativos, é um fenômeno mundial que ocorre em um nível sem precedentes na história. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) 1, no ano de 2050 um quinto da população mundial será composta de idosos. Entretanto, o aumento de problemas como o abandono de idosos também não fica para trás.
Além disso, de acordo com o Ministério da Saúde, em 2016 o Brasil já era o quinto país em número de idosos e a previsão é que, em 2030, os representantes da chamada “melhor idade” ultrapassem o total de crianças entre zero e 14 anos. Esse fato suscita o aparecimento de novas maneiras de encarar a velhice, afinal, as pessoas estarem vivendo mais, não significa que elas estão vivendo com melhor saúde e tendo suas necessidades atendidas.
A velhice é um momento marcado por transformações significativas, tais como: perda do trabalho, filhos que se casam e/ou cônjuges que falecem, assim como os grandes amigos e, além disso, por uma maior consciência da finitude. Há também uma desconstrução vivida no próprio corpo: a visão não é mais a mesma, o corpo não responde com agilidade e rapidez como antes, a vida sexual se recoloca, uma série de desconstruções começa a emergir, entre elas, uma maior noção do que é o tempo.
Um dos maiores dilemas está nos casos de abandono de idosos. Por motivos de negligência ou falta de condições de cuidar da pessoa idosa, ela é deixada no hospital durante dias, semanas ou meses. O abandono também ocorre em ruas e instituições, não só por falta de vínculos familiares, mas também por desproteção da comunidade e do estado. O Estatuto do Idoso, legislação criada para assegurar os direitos das pessoas com mais de 60 anos, prevê que o abandono de idosos é crime e as implicações podem levar à responsabilização cível e criminal.2 3
Fica clara a falta de preparo dos indivíduos diante do inevitável processo de envelhecimento humano. O papel designado ao sujeito idoso na sociedade moderna é, muitas vezes, de exclusão social, marginalização, e são vistos como um encargo social. Existe então, a necessidade de debater sobre o papel do idoso na cultura brasileira e na cultura de outros povos, a partir de sua bagagem de saberes e vivências.
Problemáticas devido ao abandono da terceira idade
A discriminação baseada em critérios de idade (também conhecida como etarismo) 4 afeta pessoas de todas as faixas etárias, mas tem efeitos particularmente prejudiciais sobre a saúde e o bem-estar das pessoas idosas. Em muitos casos o mercado não aceita pessoas da terceira idade e optam por pessoas jovens, o que acaba causando sentimento de inutilidade, influenciando também em casa, na falta de produtividade e incômodo pessoal.
A partir disso, o idoso passa a ser uma pessoa mais dependente do que antes, dando mais “trabalho” na rotina dos familiares com quem vive. Isso gera um desconforto em muitas famílias e acaba influenciando em casos de abandono de idosos. Além disso, entre os problemas relacionados com o abandono da terceira idade, estão:
• A frágil relação entre filhos e pais idosos, que facilmente é colocada em risco, devido ao não preparo por parte da família em se ter um familiar necessitado de maiores cuidados;
• Pela fragilidade emocional e pelo pouco domínio tecnológico por parte dos idosos, estes acabam estabelecendo uma relação bastante próxima e de entrega total de bens até mesmo com pessoas desconhecidas, o que facilita o processo de extorsão;
• Não apenas familiares ou pessoas próximas, mas as próprias empresas, principalmente bancárias, provocam grandes prejuízos para os idosos, ao não esclarecer ou aproveitar do pouco entendimento da situação financeira deles;
Gilberto Safra, um psicanalista contemporâneo, comenta que para o indivíduo se sentir vivo e existente, é necessário que ele entre no mundo, compartilhá-lo com os outros, vivendo em comunidade. Ele também enfatiza o fato de que a exclusão e o desenraizamento são fenômenos que rompem a possibilidade de o ser humano habitar eticamente o mundo. A questão da rejeição se dá em situações mais amplas, pois o arranjo do mundo não valoriza o idoso, a sua experiência, o seu ritmo mais lento, e o deixa a margem. Para o autor, o acontecer humano demandaria a presença de outra pessoa, não existe self sem outro, o self aconteceria no mundo. O terrível para o homem é ver-se sempre avizinhado pelo nada, o não-ser, que o ameaça com a possibilidade de não-vir-a-ser e com a ausência de sentido. A pessoa não pode realizar a plenitude de sua vida quando trancada dentro de si.
Por isso, é necessário uma valorização dos valores humanos presentes na terceira idade, como a perpetuação de saberes tradicionais por meio da transmissão oral. Ambientes amigáveis às pessoas idosas são os melhores lugares onde se pode crescer, viver, trabalhar, brincar e envelhecer, ou seja, uma comunidade amigável à pessoa idosa é um lugar melhor para todas as pessoas e idades.
Década do Envelhecimento Saudável 2020-2030
A fim de fomentar o envelhecimento ativo a longo prazo, foi criado um plano para a Década do Envelhecimento Saudável 2020-2030, pela Estratégia Global da OMS sobre envelhecimento e saúde. Esse projeto tem o intuito promover a colaboração sustentada em prol do envelhecimento saudável pelos próximos dez anos, através da parceria entre o poder público, organizações diversas e a sociedade como um todo. A Década do Envelhecimento Saudável 2020-2030 é a principal estratégia para alcançar esse objetivo, com base na Estratégia Global da OMS sobre Envelhecimento e Saúde, no Plano de Ação Internacional das Nações Unidas para o Envelhecimento e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda das Nações Unidas 2030. São quatro áreas de ações que foram desenvolvidas pelo projeto: 5
- Área de Ação I: Mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos com relação à idade e ao envelhecimento
- Área de Ação II: Garantir que as comunidades promovam as capacidades das pessoas idosas.
- Área de Ação III: Entregar serviços de cuidados integrados e de atenção primária à saúde centrados na pessoa e adequados à pessoa idosa.
- Área de Ação IV: Propiciar o acesso a cuidados de longo prazo às pessoas idosas que necessitem.
Gilberto Safra apresenta que para a pessoa velha o sentido da vida se reposiciona, não somente a partir da mutação do eu para nós, mas fundamentalmente pela esperança que fica depositada, agora, naqueles que virão, na futura geração como, por exemplo, os netos. O autor destaca que um dos anseios fundamentais nesse momento da vida é poder contribuir de alguma forma para a comunidade/ sociedade, para além do nós. Nesse contexto, o sentido da vida fica reposicionado em três aspectos, os quais ele relata:
“Primeiramente,o comprometimento com o meio ambiente, com o espaço cultural. Segundo, a responsabilidade não mais como uma moralidade a partir de si mesmo, mas que surge de uma ética própria– muito diferente de aceitar regras. Assim, tornar-se uma responsabilidade pela humanidade! E por último, a consciência política, numa tentativa de responder ao mal-estar público, uma consciência de “nós” amplificada para o mundo.”
Gilberto Safra, doutor em Psicologia Clínica e professor da USP, no artigo “Aspectos fundantes na clínica do envelhecimento”6
Repertório Sociocultural
Autores e obras
- Simone de Beauvoir, filósofa existencialista, na obra A velhice, a autora busca o entendimento da percepção dos idosos pela sociedade. Do tratamento que as sociedades primitivas davam aos idosos até conquistas e problemas existentes nas sociedades atuais, ela propõe uma mudança radical, de forma a desmistificar as hipocrisias que cercam a velhice. Uma obra que alcançou repercussão em todo o mundo, levantando questões e soluções para os idosos.
- Gilberto Safra, psicanalista e professor da USP, disserta em A face estética do self (2009) que a desconstrução é um aspecto fundamental na velhice. É um momento marcado por transformações significativas, tais como: perda do trabalho, filhos que se casam e/ou cônjuges que falecem, assim como os grandes amigos e, além disso, por uma maior consciência da finitude. Ele acrescenta que há também uma desconstrução vivida no próprio corpo: a visão não é mais a mesma, o corpo não responde com agilidade e rapidez como antes, a vida sexual se recoloca, uma série de desconstruções começa a emergir, entre elas, uma maior noção do que é o tempo
Fatos históricos
- Entre as civilizações que tiveram e ainda tem o idoso como papel importante na sociedade é a civilização oriental, precisamente na China Antiga que teve como entre as suas bases de influência Confúcio que acreditava ser à base da família o homem mais velho, a qual todos deveriam obedecer.
- Em 2011, as Nações Unidas propuseram uma convenção de direitos humanos que protegeria especificamente as pessoas idosas;
- No Brasil, a introdução de mudanças foi feito gradativamente, as Constituições anteriores a de 1988 apenas mencionaram o termo idoso e a previsão de a aposentadoria assegurada com o avanço da idade. Assim, a Carta Magna de 1988 foi importante marco, pois ao trazer princípios norteadores como o da dignidade humana, trouxe a ideia de respeito a todos, sem distinção.
Filmes, séries e documentários
- “Morangos silvestres” A caminho de uma cerimônia de premiação numa universidade, um médico idoso é assediado por situações e personagens que o conduzem a um mergulho em sua vida pregressa.
- “Meu Pai” Anthony tem 80 anos, mora sozinho em Londres e recusa as enfermeiras que sua filha tenta impor a ele. No entanto, a ajuda está se tornando mais urgente, pois ele está cada vez pior. Enquanto ele tenta entender suas mudanças, começa a duvidar de seus entes queridos, de sua própria mente e da própria realidade.
- “Meu pai, uma lição de vida” um executivo resolve passar um tempo com seus pais, que já estão velhos. Com a convivência, ele começa a se entender melhor com a família e a rever seus valores.
- “Rugas” baseado nos quadrinhos homônimos de Paco Roca, RUGAS é um longa animado em 2D para adultos. Retrata a amizade entre Emilio e Miguel, dois idosos trancafiados em um asilo.
- “Agente Duplo” um investigador particular no Chile contrata uma pessoa para trabalhar como espião em um asilo, onde uma cliente dele suspeita que estejam ocorrendo abusos contra os idosos.
Possíveis propostas de intervenção
- Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos deve realizar campanhas e anúncios públicos não sazonais sobre a valorização do idoso na sociedade e sobre as penas relacionadas aos crimes cometidos contra essa população;
- Maior rigor quanto ao cumprimento do Estatuto do Idoso, com fiscalização mais acentuada e intervenção do Ministério Público;
- Ampliação de políticas públicas de convivência, lazer e saúde para a terceira idade, em colaboração entre União, estados e municípios;
Citações para redação
Art. 37. O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.
Estatuto do idoso, no que diz respeito a habitação, artigo 37. 7
O envelhecimento não é “juventude perdida”, mas uma nova etapa de oportunidade e força.
Betty Friedan, na obra The Fountain of Age de 1993.8
Art. 98. É crime abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado.
Estatuto do idoso, artigo 98 | Frase dita em um entrevista ao jornal El País, 25 de abril de 2018. 9
Fontes e referências
- Pesquisa de idosos feita pela OMS
- Agência Câmara de notícias, 2019
- Estatuto do Idoso
- Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
- OPAS Década do envelhecimento saudável
- Aspectos fundantes na clínica do envelhecimento
- Verificado através do site do Senado Federal.
- Verificado através do site Wikiquote.
- Verificado através do site do Senado Federal