Acesso desigual, falta de interesse público e uma parcela da população que fecha os olhos para o problema. A desigualdade social no Brasil é claramente um problema histórico, e quando envolvemos ciência junto à problemática, aquilo que era para ser amenizado torna-se ainda mais grave. Afinal, a ciência, assim como a política, deveria ter como principal objetivo servir e elevar o povo a condições de igualdade.
E o Santo Cristo até a morte trabalhava / Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar / E ouvia às sete horas o noticiário / Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar…
Trecho da música Faroeste Caboclo, Legião Urbana, 1987.
A música acima, uma das grandes clássicas brasileiras, é nada mais, nada menos, que um retrato da desigualdade social no Brasil. Triste é pensar que, se a música foi escrita em 1987 desde então pouca coisa mudou.
O acesso ao ensino de qualidade é ainda privilégio para poucos. Além disso, há ainda outras formas de desigualdade quando o tema é ciência no Brasil. Algumas das expressões desse problema que encontramos são as seguintes:
- Desigualdade de gênero;
- Desigualdade de renda;
- Desigualdade de raças;
- e muitas outras.
Se o cenário já não era dos melhores, a pandemia do corona vírus ajudou a mostrar de forma escancarada a problemática, e não somente no Brasil. Ficou bastante claro o cenário da desigualdade em todo o mundo. Países mais ricos hoje possuem sua população quase que totalmente vacinada, em muitos deles só não tomou a vacina quem não quis ou era menor de idade.
A tabela abaixo mostra com clareza essa desigualdade de acesso à saúde e à ciência ao expor, lado a lado, os 5 países mais ricos, os 5 mais pobres e a quantidade da população vacinada em cada um desses países.
Países mais ricos | Doses aplicadas | Totalmente vacinados (% da população) |
---|---|---|
Estados Unidos | 376 milhões | 53,8% |
Rússia | 83,6 milhões | 26,9% |
China | 2,04 bilhões | Não informado |
Alemanha | 103 milhões | 61,7% |
Reino Unido | 91,8 milhões | 65,3% |
Brasil | 202 milhões | 31,9% |
Moçambique | 2,3 milhões | 2,2% |
Malawi | 911 mil | 2,3% |
Níger | 492 mil | 0,4% |
República Democrática do Congo | 111 mil | Não informado |
República Centro-Africana | 109 mil | 0,5% |
Mundo | 5,56 bilhões | 28,3% |
Com base no gráfico a seguir, se fizermos as contas, os 5 países mais ricos do mundo correspondem a 48,5% de todas as doses aplicadas no mundo. Por outro lado, considerando os países mais pobres aos quais temos acesso a dados, se somarmos as doses aplicadas em todos esses países nós teremos apenas 0,07% de todas as doses aplicadas no mundo, ou seja, não corresponde nem a 1%.
A fim de explorar melhor o tema, a seguir iremos explorar alguns outros aspectos que envolvem ciência e desigualdade social no Brasil.
Mulheres e ciência no Brasil
Não raro vemos mulheres com títulos de mestrado e doutorado no Brasil. Logo, podemos concluir que as mulheres estão em condições de igualdade quando o cenário é a ciência no Brasil, correto? Errado.
Apesar de muitas mulheres possuírem títulos acadêmicos, as áreas de atuação entre gêneros ainda são bastante diferentes. De acordo com uma pesquisa divulgada no G1, a qual fez uma análise de vários dados divulgados na plataforma Curricum Lattes, a incidência de mulheres com doutorado varia bastante entre áreas distintas. Os dados podem ser analisados na tabela que segue.
Porcentagem de mulheres e homens com doutorado no Brasil por área de atuação.
Área de atuação | Homens | Mulheres |
---|---|---|
Linguística, letras e artes | 46,3% | 53,7% |
Engenharias | 74% | 26% |
Ciências sociais aplicadas | 59,9% | 40,1% |
Ciências exatas e da terra | 68,9% | 31,1% |
Ciências da saúde | 43% | 57% |
Geral | 59,7% | 40,3% |
Se por um lado elas são maioria nas áreas de Ciências da saúde e Linguística, letras e artes, por outro lado, nas engenharias representam apenas 26% da pesquisadoras. Entretanto, o cenário torna-se mais grave quando essas mulheres passam a buscar cargos de liderança.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo British Council, organização sem fins lucrativos do Reino Unido, e divulgada pela Folha de São Paulo, apenas 2% das mulheres cientistas preenchem cargos políticos de liderança. Apesar disso, de acordo com o mesmo estudo, o qual analisou dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do nstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), elas são responsáveis por 51% dos artigos científicos publicados no Brasil.3
Ou seja, é possível perceber que há ainda, muito espaço para uma busca de igualdade social quando os temas são gênero e ciência no Brasil. Além disso, deveriam também ser melhores exploradas outras diferenças de gênero, afinal, já passou da hora de reconhecermos que nossa sociedade não é binária.
Os desafios da ciência no Brasil
Além das já citadas desigualdades na pesquisa brasileira, a ciência, por si só, já enfrenta diversos desafios. Entre as dificuldades algumas podem ser citadas, como:
- Dificuldade para conseguir financiamento;
- Falta de aporte para dedicação exclusiva à ciência;
- Baixos salários;
- Entre outros.
Para exemplificar as formas como isso ocorre no Brasil é possível, novamente recorrer ao corona vírus. De acordo com matéria publicada no Guia do Estudante, da editora Abril, o Brasil está entre os países que mais publicaram estudos relacionados à covid-19. No momento da publicação ocupava a 11ª posição.
Entretanto, o valor investido nas pesquisas sobre o tema (tão atual a importante para o Brasil e o mundo) não chegou nem próximo do que foi prometido pelo governo. O Governo Federal previa investir mais de 450 milhões de reais em pesquisas, porém, apenas dois editais, que somados chegam a 60 milhões, foram publicados. Em termos de comparação, os Estados Unidos investiram cerca de 6 bilhões de dólares em pesquisas sobre o tema (o que daria aproximadamente 30 milhões de reais). 4
O cenário é ainda mais preocupante se olharmos o investimento em ciência no país nos últimos anos. De acordo com um estudo publicado na Revista Fapesp, os recursos investidos no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 2009 e 2010 foram, respectivamente, 8,6 e 10,5 bilhões de reais, chegando ao auge de 11,6 bilhões em 2013. Entretanto, deste então o valor caiu bruscamente. Em 2019, o investimento foi de 5,2 bilhões e, em 2020, chegou a apenas 3,7 bilhões de reais.5
Repertório Sociocultural
Música
- Construção do Chique Buarque foi eleita como a melhor música brasileira de todos os tempos pela revista Rolling Stone e o motivo de tanto sucesso é que ela possui uma montagem rítmica singular, letra enigmática e uma crítica social fortíssima.
- Geração Coca-Cola do Legião Urbana. A canção fala sobre a geração de jovens que viviam nas cidades na década de 70, que cresceram durante o regime militar e vivenciaram o início da era da globalização.
- Diário de um Detento do Racionais MC’s nos faz entender um pouco sobre o dia a dia dentro da prisão, e sobre as falhas do sistema carcerário brasileiro.
- Triste, Louca ou Má da Francisco, El Hombre é uma crítica aos estereótipos criados sobre o papel que a mulher cumpre na sociedade e no lar.
- Faroeste Caboclo, a música do Legião Urbana apresenta um retrato da desigualdade social no Brasil. Ao contar a história de Santo Cristo a canção nos guia pela vida de uma pessoa que nasceu em meio a condições precárias e aprender a viver por conta própria.
Fatos históricos
- Em 1633, o astrônomo Galileu Galilei, considerado por muitos o criador do método científico, recebia sua sentença frente a um tribunal da Inquisição. Pela acusação de defender o modelo de Copérnico, em que a Terra girava em torno do Sol, Galileu foi considerado um herético, forçado a repudiar as ideias heliocêntricas e sentenciado a prisão domiciliar, além de ter sua obra Diálogo incluída no Índice de Livros Proibidos do Vaticano.
- O desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil teve marcos importantes: a criação do Museu Nacional (1818), primórdios da Fundação Oswaldo Cruz (1900), criação do Instituto Butantan (1901), fundação da Academia Brasileira de Ciências (1916), fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1948), fundação do ITA (1950), criação do CNPq (1951), criação da Capes (1951), criação da Fapesp (1960), criação da Finep (1967), criação da Embrapa (1972),e a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985).
Filmes, séries e documentários
- “Negação” uma reflexão ampla sobre o negacionismo, que é a rejeição dos princípios básicos da ciência para reforçar conceitos particulares e gerar relação tensa na sociedade.
- “Carta para além dos muros” o filme é uma boa forma de entender como o HIV se disseminou no Brasil, a importância da ciência e os tabus que ainda existem acerca da infecção e o que mudou com o passar dos anos.
- “Sócrates” o jovem Sócrates precisa tentar sobreviver sozinho em São Paulo. A dura realidade coloca seus valores e ideais à prova, e ele precisa enfrentar o luto, a miséria e o preconceito em relação à sua sexualidade.
Possíveis propostas de intervenção
- Frear, por meio de proibições legais, a expansão dos grandes conglomerados educacionais, que precarizam o ensino brasileiro, e desenvolver práticas pedagógicas mais reflexivas, atualizadas e consistentes para a realidade brasileira, especialmente no que concerne à alfabetização e ao ensino da leitura e da escrita.
- Dar prosseguimento às reformas educacionais, mas de forma cuidadosa, após intenso debate popular;
- Associar projetos de assistência social, com parcerias privadas e de ONGs, às escolas de maior vulnerabilidade socioeconômica;
- Aprovar, a partir de pressão popular, uma reforma tributária no Brasil, sobretaxando grandes heranças e fortunas e também direcionando esses recursos ao investimento em educação e em ciência;
A característica fundamental da ciência e do cientista brasileiro é uma única palavra: resiliência.
Hernan Chaimovich, Professor Emérito do Instituto de Química da USP. 6
O senso comum nada mais é do que um depósito de preconceitos que se assentam na mente antes de você alcançar 18 anos.
Albert Einstein no livro “O Universo e Dr. Einstein”. 7
Fontes e referências
- Our World in Data | Coronavirus (COVID-19) Vaccinations.
- Mulheres são 40% dos pesquisadores do Brasil que declaram ter doutorado nas 5 maiores áreas de conhecimento, aponta levantamento | G1
- Mulheres cientistas ocupam apenas 2% dos cargos de liderança no Brasil, diz estudo | Folha de São Paulo
- Mais trabalho, pouco recurso: desafios da ciência brasileira na pandemia | Guia do Estudante.
- Ciência à míngua | Pesquisa Fapesp.
- Verificado através de matéria no Jornal da USP.
- Verificado através do site Época Negócios.