Você consegue definir, em poucas palavras, qual é a identidade brasileira? O que há de circundante em toda a cultura do nosso país? Patriotismo e identidade nacional no Brasil são temas que ainda causam polêmica, uma vez que a história árdua de construção da nossa sociedade não é motivo muito agradável para nos orgulharmos. Fato é que a diversidade não pode faltar no nosso prato.
O uso e a valorização de estrangeirismos na língua escrita ou falada, por exemplo, em telejornais e em rádios sempre foi uma constante. Ademais, é interessante refletir sobre como essa ação desqualifica a língua nativa e traz à tona a eterna discussão sobre os malefícios causados em abrir mão de vocábulos da língua portuguesa do Brasil para serem substituídos por outros da língua inglesa.
Além disso, a comparação repetitiva feita pelos brasileiros em relação a qualquer outro país, considerando que os demais são superiores em todos os âmbitos em relação ao Brasil também é uma problemática acerca do ”complexo de vira-lata” do brasileiro. Essas e outas questões serão abordados de forma mais aprofundada a seguir. Venha conosco quackzinho!
Xenofobia e desigualdade regional
Quando falamos sobre a identidade cultural brasileira, não é difícil ouvirmos falar sobre “xenofobia”. Mas afinal, o que é isso? O dicionário Michaelis Online define como:
1. Aversão ou rejeição a pessoas ou coisas estrangeiras. […]
2. Temor ou antipatia pelo que é incomum ou estranho ao seu ambiente.
Dicionário Michaelis Online.1
Ou seja, a xenofobia é o preconceito contra pessoas que são estrangeiras ao local em que vivemos. O mais triste dessa situação é que, infelizmente, ela é mais comum do que parece. Acompanhe o caso a seguir para entender como ela ocorre.
No reality show “Big Brother Brasil”, na sua 21° edição, a nordestina Juliette Freire, maquiadora e advogada, sofreu ataques de xenofobia pelos colegas de confinamento, que zombaram de sua origem nordestina e de seu sotaque. 2 Infelizmente, situações como o ocorrido com a paraibana são corriqueiras na sociedade, uma vez que as desigualdades socioeconômicas das regiões Norte e Nordeste contrastam com a industrialização precoce de outras regiões do Sudeste e do Sul do Brasil – e, para muitos cidadãos, isso é motivo de superioridade dentro no nosso próprio território.
“Eu sou uma pessoa estudada, mas onde chego as pessoas me tratam como analfabeta. Me tratam como matuta, como burra. As pessoas acham que no Nordeste é mato, seca, jumento é analfabeto, e não é. A nossa cultura é linda, rica.”
Juliette Freire, em uma conversa dentro da casa do Big Brother Brasil, 25 de abril de 2021.
Contudo, conteúdos que incitam ódio e discriminação não são adequados a uma sociedade democrática. Afinal, partem do pressuposto que determinadas pessoas são inferiores, e, consequentemente, não merecedoras dos mesmos direitos.
Para o sociólogo brasileiro Boaventura de Souza Santos, em sua obra “Epistemologias do Sul”, é recorrente o apagamento de alguns sistemas de conhecimento no mundo. De acordo com o pesquisador, algumas populações e culturas são alvos de inviabilização e desrespeito, como por anos aconteceu com os indígenas e com os africanos. Simbolicamente, ocorre uma ”morte” dessas culturas, o que é chamado de epistemicídio.
Normalmente, o conhecimento produzido pelas elites é mais acessível do que aquele que é produzido pelas pessoas marginalizadas, essas dependem cada vez mais de visibilidade e investimento para se inserirem no espaço público. Analogamente à isso, percebe-se a discrepância de tratamento dos vestibulares, como a Fuvest, que não exigem autores indígenas como leitura obrigatória, mas já cobraram livros feitos pelos colonizadores sobre esses povos, como “Iracema”.
Dessa maneira, a visão de quem é marginalizado dificilmente tem espaço, o que dificulta a identificação e a empatia da população com outros grupos que fazem parte da identidade brasileira. Por esse motivo, não há a desconstrução de pensamentos intolerantes, já que não existe o contato com o diferente.
Dessa maneira, é perceptível a desvalorização de alguns cidadãos com sua própria cultura. A xenofobia existe em nosso meio há décadas, mas ainda é um assunto pouco debatido. O Brasil, por ser um país miscigenado possui altos índices de preconceitos contra imigrantes de outros países. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2016, na região metropolitana de Belo Horizonte, relatou que 60% dos homens e 100% das mulheres sofrem xenofobia.3
Segundo o secretário dos Direitos Humanos de 2014, Rogério Sottili, os que mais sofrem esse preconceito são os haitianos, palestinos e nordestinos que vão para o sul do país. Além disso, com a chegada do novo coronavírus, os japoneses e chineses forem alvos de grandes ataques e julgamentos, sendo considerados os causadores da pandemia que se espalhou pelo mundo no início de 2020. 4
Você já ouviu falar sobre bovarismo? É um termo cunhado para designar a tendência de copiar padrões influentes e rejeitar a própria identidade. Um exemplo histórico foi a reforma urbana de Pereira Passos, no Rio de Janeiro do século XVIII, que visou o embelezamento das avenidas para a construção de uma identidade carioca, baseado na arquitetura francesa e ocultando características naturais da região.
A influência de modelos culturais estrangeiros começa nos resquícios da própria colonização portuguesa no Brasil, que trouxe uma nova língua, nova cultura, novos comportamentos e hábitos, procurando exterminar traços dos povos que viviam no país. Isso acabou por resultar em um permanente desestímulo do brasileiro em ressaltar a sua cultura, já que ele não reconhece como sendo dele própria, mas a mistura de várias sem clara delimitação.
Um exemplo dessa apropriação de culturas é a mudança de hábitos de consumo alimentar em todo o país. Se os povos nativos brasileiros adotavam uma dieta regrada de frutas, sementes e produtos orgânicos, as influências estrangeiras ficam bem claras ao analisarmos os altos índices de adoção de alimentos como fast-foods, gorduras e refrigerantes. Além disso, a valorização midiática da cultura estrangeira, como em filmes e séries, principalmente norte-americanos, fomentam essa falta de contato com a identidade brasileira.
O complexo de vira-lata é uma famosa expressão criada pelo escritor Nelson Rodrigues que exemplifica muito bem a psicologia social que envolveu a identidade brasileira por anos (e ainda se mostra presente). A ideia de que o povo brasileiro é inferior a outros ou “degenerado” não é nova e data pelo menos do século XIX, quando o conde francês Arthur de Gobineau desembarcou em 1845 no Rio de Janeiro e chamou os cariocas de “verdadeiros macacos”.
Por complexo do vira-lata, entendo eu a inferioridade em que o Brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do rosto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.
Nelson Rodrigues, sobre o termo cunhado na década de 50.
Nas décadas de 1920 e 1930, várias correntes de pensamento digladiavam-se quanto a origem desta suposta inferioridade. Alguns autores, como Nina Rodrigues e Monteiro Lobato proclamavam que a miscigenação era a raiz de todos os males e que a raça branca era superior às demais. 5
O Brasil estaria assim, desejoso de ser reconhecido como igual no concerto das nações, mas tropeçaria sucessivamente em sua baixa autoestima, reforçada pelos incidentes folclóricos acima relatados e outros do mesmo gênero (“a capital do Brasil é Buenos Aires”, “os brasileiros falam espanhol”, entre outros) sucessivamente cometidos pela mídia e autoridades estrangeiras.
Identidade brasileira: um desafio
Conforte exposto anteriormente, diversas são as camadas sobre esse tema. Entre outras questões desafiantes do tema estão:
- a relação intrínseca entre cidadãos e os seus representantes políticos;
- a instalação e a permanência de indústrias alimentícias estrangeiras;
- o pouco envolvimento dos jovens com política e questões nacionais;
- a imagem reproduzida no exterior do Estado e do cidadão;
- o currículo da escola básica pouco aprofunda na História do Brasil, o que, de fato, afasta os discentes, prejudicando no interesse destes e na representatividade; e,
- a miscigenação vista como prejudicial para uma unidade cultural preconceituosa.
Para o antropólogo Gilberto Freyre, em sua obra ”Casa grande e senzala”, a sociedade brasileira é o resultado da miscigenação cultural entre portugueses, indígenas e negros. Esse sistema ainda é presente (simbolicamente e culturalmente) na atualidade: a marginalização de grupos menos favorecidos, em situações de déficit habitacional, como muitas vezes acontece nas favelas do Brasil. Dessa maneira, as crises vivenciadas em diversos níveis afeta diretamente o reconhecimento entre o cidadão e o Estado. 6
Por fim, o maior desafio seria garantir o respeito mútuo dentro do nosso próprio território, uma vez que a palavra-chave para a identidade brasileira é a diversidade. Não há como negar a nossa história. Como brasileiros utópicos, ainda podemos lutar por um país onde a emissão de juízo de valor sobre práticas culturais de regiões, povos e espaços não ultrapasse os direitos do respeito e da dignidade humana, e classificação como imorais ou amorais, certas ou erradas ficasse apenas no nosso passado.
Repertório Sociocultural
- Filmes: “O Patriota”, relacionando a exaltação por parte da indústria cinematográfica americana e o pouco reconhecimento do brasileiro, excertos da introdução do livro de Michel Debrun sobre Identidade Nacional Brasileira.
- Músicas: Carinhoso – Pixinguinha e João de Barro; Aquarela do Brasil – Ary Barroso; Tropicália – Caetano Veloso; Construção – Chico Buarque; Casa de Bamba – Martinho da Vila
- Fatos históricos: Colonização no Brasil; Alusão à escola literária brasileira Modernismo, que procurava exaltar os meios de expressões tipica e autenticamente brasileiros; A criação, em 1940, da personagem Zé Carioca, um papagaio – animal típico brasileira – pela Disney, sendo este preguiçoso e resolvendo os seus problemas por meio do famoso “jeitinho brasileiro”; “New way of life”
Possíveis propostas de intervenção
- Projetos educativos escolares que debatam o assunto e proponham intervenções junto aos adolescentes e jovens, especificamente;
- Maior discussão do currículo do ensino básico, para exaltar a relevância de uma identidade nacional e o patriota;
- Campanhas midiáticas, apresentando as riquezas culturais do país;
- Rodas de discussão em locais públicos, escolas, entre outros. Com a atuação de profissionais capacitados que tenham conhecimentos sobre a história do Brasil e sua trajetória na sociedade brasileira.
Citações para redação
É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.
Albert Einstein, físico teórico e matemático alemão. | Frase original: “It is harder to crack a prejudice than an atom“. 7
A tolerância ou é boa para todos, ou não é boa para ninguém.
Edmund Burke, filósofo, teórico político e orador irlandês. Frase original: ”Toleration is good for all, or it is good for none.” 8