O estigma do corpo perfeito no Brasil | Argumentos para Redação

Durante o Renascimento, as representações gráficas, as esculturas e as pinturas antropocêntricas tomaram conta do campo artístico.

Durante o Renascimento, as representações gráficas, as esculturas e as pinturas antropocêntricas tomaram conta do campo artístico. Dentre os principais artistas, destacou-se o autodidata Leonardo Da Vinci e a sua obra O Homem Vitruviano, de 1480. Com ela (veja foto abaixo), Da Vinci se propôs a capturar a perfeição do corpo humano. Obsessivamente simétrica, aparentemente simples e de uma beleza extraordinária, a obra oferecia uma visão única sobre o corpo humano como criação suprema de Deus, proporcionado de acordo com a geometria e a matemática – teoricamente perfeito. Na atualidade, o corpo considerado ideal por parte da sociedade (não apenas simetricamente, mas esteticamente) é regido por estigmas que são impostos todos os dias, principalmente para as mulheres. Dentre as causas, estão os padrões de beleza ilusórios e restritivos sustentados pelos meios de comunicação de massa (especialmente pelas redes sociais e pelos recursos de edição de imagem) e o mundo da moda. As principais consequências estão no impacto na saúde mental e física, isolamento social, depressão e ansiedade, além do fomento à preconceitos como a gordofobia, o racismo e a transfobia.

O 'Homem Vitruviano' de Leonardo da Vinci está liberado para exposição no  Louvre - GQ | Cultura
Imagem retirada de GQGlobo.

A crise também é estética

pink and brown makeup brush set
Imagem retirada de Unsplash

Por cerca de seis décadas, a boneca Barbie, fabricada pela companhia de brinquedos Mattel, ditou tendências de moda e foi reflexo de um padrão de beleza ocidental. Loira, magra e com olhos azuis, a invenção de Ruth Handler ditou o padrão de beleza para muitas meninas que sonhavam em ter o corpo perfeito. Por outro lado, prejudicou a autoestima de diversas pessoas, ao ser um símbolo de exclusão ao diferente do ideal simbolizado.

O mundo da moda causa impactos na sociedade em relação aos padrões estabelecidos através dos manequins disponíveis em lojas. Vinculado às pessoas que mantém o corpo dito como ideal através de uma alimentação saudável e a prática de atividades físicas, o fitness se tornou um mercado lucrativo no Brasil: atualmente o país é o 2° no ranking mundial de academias, com 30.000 unidades e um público que ultrapassa os oito milhões de usuários.

Além da mídia tradicional, o mercado fitness também conta com as redes sociais como
grandes aliadas. Através dessas novas aldeias globais, a comunicação e a forma como nos
relacionamos uns com os outros se tornou mais intensa. Nesses espaços virtuais, há uma
constante cobrança pelos padrões estéticos ditos como perfeitos e até uma competição de
quem está mais magro, quem alcançou os melhores resultados.

Para a filosofa e feminista negra Djamila Ribeiro, os homens são ensinados a consumir as mulheres, e não a respeitá-las. Muitos insistem em manter a supremacia masculina e branca nos espaços de poder. O preconceito e o racismo inseridos nesses conceitos estéticos ainda perpetuaram
durante muitos séculos, podendo ser evidenciados até os dias atuais, como nas novelas. Entre
as décadas de 1920 e 1930, por exemplo, mesmo com a voga do bronzeamento, a pele branca
ainda imperava na propaganda de diversos produtos de beleza. 1.

Harmonização facial: a nova febre no Brasil

portrait of woman faces
Imagem retirada de Unsplash

A nova moda no mundo dos famosos e no Brasil é a harmonização facial. É um tratamento estético que utiliza uma combinação de técnicas de preenchimento para proporcionar mais equilíbrio entre o volume, o formato e o ângulo de todas as partes do rosto, promovendo também o rejuvenescimento. O problema está quando muitas pessoas, incluindo artistas, exageram na busca pelo rosto perfeito e acabam acionando outros empecilhos, tanto no corpo físico quanto no mental. Mas a indústria cultural e a cultura de massa não estão nem ai…continuam investindo em padrões de beleza desde que atendam as necessidades mercadológicas e consumistas. Exemplos atuais da obsessão midiáticas são blogueiras fitness (como Bella Falconi e Gabriela Pugliesi), dietas da moda (paleo, low carb, jejum intermitente ), cirurgias plásticas e procedimentos de modismo (silicone, bichectomia).

O caso do cantor Lucas Lucco foi bastante emblemático. Em entrevista ao “Fantástico”,.em outubro de 2020, revelou que que, inicialmente, foi fazer um procedimento estético apenas para tirar um pouco das olheiras, mas foi convencido pela profissional a fazer a harmonização completa. “Ela sugeriu me deixar mais com ‘cara de bad boy’, mais masculino, e colocar um pouco de colágeno para deixar o maxilar mais projetado.”

Você se olha e simplesmente não consegue enxergar seus traços. Isso é muito ruim. Abala muito a nossa autoestima. Eu não gosto nem de olhar para as minhas fotos do noivado, que vão ficar pra sempre “

Lucas Lucco em entrevista ao Fantástico, outubro de 2020.

Assim como na década de 20 em que os corpos passaram a ser analisados nos espaços públicos das áreas urbanas, agora, as mulheres se preocupam em como vão se apresentar dentro desse espaço online. Nas redes sociais foi construída uma sociedade de controle, onde todos são observados por todos e todos se controlam. Atualmente, a rede social que mais atrai esse público é justamente aquela voltada para a publicação de imagens e vídeos. Tendo como base as revistas de antigamente – que estampavam em suas capas mulheres que eram consideradas exemplos a serem seguidos para alcançar o dito corpo ideal – as atuais publicações estão direcionadas a vender a forma física de suas modelos. 2

Complicações clínicas, psicológicas e sociais

A Organização Mundial da Saúde afirma que cerca de 10% dos jovens brasileiros sofrem de distúrbios alimentares. Uma das principais complicações é o Transtorno Compulsivo Alimentar (TCA), o qual as pessoas acometidas não conseguem parar de comer mesmo tendo a sensação de saciedade e desconforto abdominal, e é normal que ela prefira comer sozinha, pois sentem vergonha da falta de controle durante os episódios de compulsão. É um mito achar que a doença está limitada a pessoas obesas, podendo ocorrer em pessoas com um peso adequado. Comer escondido, sentir-se culpado após as refeições, sensação de inadequação junto à sociedade e tentativas fracassadas de dieta são sinais que devem ser levados em conta sempre.

De acordo com a psicóloga Valeska Bassan, as redes sociais tem um papel importante no desencadeamento dos transtornos, uma vez que muitos influenciadores supervalorizam a magreza e o corpo perfeito, tornando-se um gatilho para esses seguidores. “Não existe uma causa específica para os transtornos, é uma combinação de fatores que variam caso a caso e afeta outros aspectos da vida do paciente”. Muitos deles, especialmente os adolescentes, apresentam resistência em reconhecer o quadro de compulsão, por isso, é fundamental que os pais fiquem atentos e ajam o mais rápido possível. 3.

Além do transtorno de compulsão, as consequências da excessiva busca pela perfeição não param por aí: anorexia, bulimia, ortorexia, procedimentos estéticos arriscados, isolamento social, angústia, ansiedade, depressão, vigorexia ou transtorno dismófico muscular, entre outros problemas que afetam o psicológico, o físico e o social de vidas que seguem em busca de agradar um padrão socialmente aceito.

Para o psicanalista italiano, Massimo Recalcati, em “O homem sem inconsciente”, de 2010, os transtornos alimentares escondem um quadro de angústia típico do jovem contemporâneo,
ligado à falta de referências. Assim, em um quadro como o da anorexia, o sujeito tentaria obter, sobre o próprio corpo, um controle, um domínio, uma obediência que não obtém de mais nada externo a ele, já que as instituições sociais não seriam mais normativas a esse indivíduo. Dessa forma, nota-se uma autocobrança das pessoas em uma sociedade altamente competitiva e insegura → busca-se aceitação pela aparência e juventude, e não somente qualidade de vida e bem-estar, como prega o discurso falacioso da mídia.

Repertório Sociocultural

  • Documentários: Beyond Beauty – 2016; Embrace – 2017;
  • Filmes: Pequena Miss Sunshine – 2006. O Amor é Cego – 2001; O Diário da Princesa – 2002; Preciosa – Uma História de Esperança – 2010; Felicidade por um Fio – 2018; Dumplin’ – 2019
  • Músicas e álbuns: Beyoncé – Pretty Hurts; P!nk – Stupid Girls; Lilly Allen – The Fear; Christina Aguilera – Beautiful; Adorável Chip Novo – Pitty; Marilyn Manson – The Dope Show; Selena Gomez – Who Says; Meghan Trainor – All About That Bass;
  • Obras Literárias: O Mito da Beleza – Naomi Wolf; História da beleza – Umberto Eco; História da Feiura – Umberto Eco;  Sociedade do Cansaço – Byung-Chul Han. Não sou exposição: questionamentos sobre imagem corporal, autoestima e saúde – Paola Altheia

Possíveis propostas de intervenção

  • Projetos educativos escolares que debatam o assunto e proponham intervenções junto aos adolescentes e jovens, especificamente;
  • Criação de leis que notifiquem ou punam, por exemplo, o uso excessivo de edição de imagens e de modelos muito magros, e fiscalizem mais rigidamente a oferta de produtos e procedimentos estéticos arriscados;
  • Mobilizar influenciadores digitais e a mídia especializada em estética e moda sobre a importância de diversificar os padrões de beleza;
  • Campanhas mais frequentes e impactantes do Ministério da Saúde na grande mídia, inclusive com o auxílio de figuras públicas, tratando dos perigos que a obsessão estética traz à saúde;

Citações para redação

O mito da beleza está sempre prescrevendo comportamentos, não aparência.

Naomi Worlf, jornalista e escritora, escrito em 1991. | Frase original: “The beauty myth is always actually prescribing behavior and not appearance.”. 4

Sou uma arma de consumo em massa, foi pra isso que fui programada. Está tudo bem contanto que eu emagreça.

Lilly Allen, cantora e compositora, música ”The Fear” escrito em 2008. Frase original: ”I am a weapon of massive consumption
and it”s not my fault its how I’m program to. Everything is cool as long as I’m getting thinner.” 5

Fontes e referências

  1. Artigo Pretty Hurts.
  2. PactoBlog
  3. Folha Vitória
  4. Verificado através do site WikiQuote.
  5. Verificado através do Portal Vagalume.