O que é discurso de ódio? | Repertório Sociocultural

Discurso de ódio ou liberdade de expressão? Descubra o que é discurso de ódio, seus limites, penalidades e muito mais!

No dia a dia está cada vez mais comum vermos discursos de ódio nas redes sociais. Muito provavelmente, se você utiliza as redes sociais, em algum momento você já se deparou com alguma das seguintes situações: 

  • Críticas não construtivas a um trabalho divulgado;
  • Alguém xingando um vídeo no YouTube só por xingar;
  • Uma palavra ofensiva sobre o corpo de uma famosa que não está tão sarado; ou,
  • A divulgação e ridicularização da foto de alguém que virou “meme” só porque era diferente de alguma forma;

Todos os casos citados acima são exemplos do chamado “Discurso de Ódio”. Entretanto, raramente é analisado o que há por trás das telas. Ao se apropriar do discurso de ódio, dificilmente o ofensor, que está de um dos lados da tela, pensa que por trás de outras milhares telas têm pessoas lendo e muitas delas se sentindo inferiores, ficando tristes por um comentário de raiva feito.

Para entendermos melhor a temática, a seguir iremos explorar vários aspectos:

  • O que é discurso de ódio;
  • O que leva uma pessoa a escrever uma mensagem de ódio;
  • Diferença entre discurso de ódio e liberdade de expressão;
  • Penalidades.

O que é discurso de ódio?

O discurso de ódio pode ser definido de várias formas. De acordo com a doutora em direito Samanta Meyer-Pflug, discursos de ódio são:

ideias que incitem a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias. 

Samanta Meyer-Pflug, doutora em direito.1

Por outro lado, Daniel Sarmento, doutor em Direito Constitucional, diz que o discurso de ódio pode ocorrer na forma de “manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos”.

Ou seja, quando analisamos a primeira definição percebemos que a abordagem é mais superficial, pois engloba apenas discriminações do tipo social, racial ou religiosa. De outro modo, a definição de Daniel Sarmento trata a temática de uma forma mais abrangente, pois faz referência a qualquer grupo que sofra preconceitos.2

Posicionamento esse que é reiterado pelo pesquisador João Pedro Favaretto Salvador, o qual define:

É um discurso que diz que certos grupos fizeram alguma coisa ou que são problemáticos por alguma razão, com o objetivo de fazer com que eles sejam tratados de forma diferente, sejam privados de recursos ou de oportunidades, sejam discriminados e até alvos de atos violentos.

João Pedro Favaretto, pesquisador.3

Na prática, é um tipo de comportamento que visa inferiorizar uma pessoa ou grupo com base no gênero, religião, etnia, forma física e muitos outros.

Por que alguém escreve uma mensagem de ódio?

Segundo um estudo encomendado pela Ditch the Label, uma instituição britânica que visa o combate ao bullying, houve um aumento no número de comentários ofensivos na internet durante a pandemia. A justificativa foi que as pessoas só tinham acesso às redes e que mais pessoas estavam online/ativas por mais tempo, o que gerou uma “oportunidade” para aqueles que querem disseminar o ódio na internet.

Além disso, o mesmo estudo identificou que 50,1 milhões de comentários ou discussões na internet continham comentários ou ideias racistas. Outro dado interessante é referente ao perfil das pessoas que praticam bullying e cyberbullying, as quais, normalmente, possuem baixa saúde mental, lidam com traumas e vivem em uma atmosfera de abuso. Ou seja, muitas delas são ou já foram alvo de preconceito.

Outro destaque da pesquisa foi que o tédio e a “sensação de não ter controle da sua vida” levam a esse comportamento disseminador do ódio. Fator esse potencializado quando há maior tempo disponível para acessar as redes sociais.4

Discurso de ódio ou liberdade de expressão?

Quando analisamos o termo “democracia”, logo lembramos de um dos direitos que está presente na Constituição Federal de 1988, o da liberdade de expressão. Afinal, para existir democracia, ou melhor, para existir o poder vindo do povo, é necessário que toda a sociedade tenha voz para expressar a sua opinião. Porém, há uma dúvida: existem limites para a liberdade de expressão? 

Art . 1º É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer.

Constituição Federal Brasileira, Lei n. 5.250.5

De acordo com Samantha Ribeiro, existe sim. Ela esclarece: 

a garantia à liberdade de expressão assegurada no Texto Constitucional leva em consideração também, a licitude e o objeto da atividade de comunicação. 

Samanta Meyer-Pflug, doutora em direito.6

Logo, nem tudo que for dito/escrito pode ser considerado liberdade de expressão, pois as mensagens que refletem opiniões de discriminação, referem-se à prática de violência e do preconceito. Ou seja, são opiniões que não condizem com a liberdade de expressão, porque um ato desses estará impedindo a liberdade de outro indivíduo, e como pertencemos a uma sociedade é preciso analisar os contextos que envolvem o coletivo.

Então, o discurso de ódio é passível de reclusão social. Afinal, mesmo usando como argumento que está sob a proteção da lei de liberdade de expressão, nenhum direito constitucional tem caráter absoluto e não permite o uso de forma irrestrita. Nesse viés, é preciso entender que a liberdade de um cidadão não pode interferir na liberdade de outro, fator esse que ocorre no discurso de ódio, o qual ofende, agride, e fomenta a violência contra as minorias.7

Penalidades

A rápida inserção dos indivíduos na internet acarretou no aumento de oportunidades para cometer discursos de ódio. Porém, devido à lentidão da justiça presente no país, nota-se que há ausência de punições para tais crimes, mesmo já existindo legislação para tais ações.8

Quando uma pessoa pratica discursos de ódio e fere alguém, mesmo que de forma virtual, isso pode ser configurar diversos tipos de crimes no Brasil, como:

  • Calúnia, injúria ou difamação (Art. 138)
  • Injúria racial (Art. 140)
  • Importunação sexual (Lei 13.718/18)9

Repertório sociocultural (ex.: alusões históricas, filmes, documentários)

Filmes e documentários 

  • Cyberbullying, 2011 (filme)
  • Audie & Daisy, 2016 (documentário)
  • You, 2018 (série)
  • Sierra Burgess is a loser, 2018 (filme)

Alusões históricas 

  • Nazismo: quando ocorre o discurso de ódio de alguma forma a pessoa se sente superior às outras, similar ao que ocorreu durante o nazismo. Utilizando o discurso de uma suposta ‘raça pura’ (Ariana) pessoas foram banalizadas, torturadas e muitas delas mortas.
  • Guerra entre Rússia e Ucrânia: o presidente da Rússia, Vladimir Putin, demonstra claramente como o discurso de ódio pode tomar conta de uma sociedade (muitas vezes oprimida e desinformada) e, de que forma, isso pode se tornar uma tragédia.

Materiais com mais informações

  • Cartilha de orientação para vítimas de discurso de ódio: A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em parceria com a Defensoria Pública e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), desenvolveu uma cartilha de orientação a vítimas de discursos de ódio, sendo essa cartilha composta por todas as informações necessárias desde a identificação do que é um discurso de ódio, quais os casos que podem ser considerados crimes, como é penalizado e até mesmo os canais de denúncia.

Citações 

O senso comum nada mais é do que um depósito de preconceitos que se assentam na mente antes de você alcançar 18 anos. 

Einstein, no livro “O Universo e Dr. Einstein”.10

Você faz o seu pior e nós faremos o nosso melhor.

Winston Churchill, discurso no Country Hall, em 7 de julho de 1941. Tradução livre do Quack Redação.11

Fontes e referências

  1. MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso do ódio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
  2. Politize! – Discurso de ódio: o que caracteriza essa prática e como podemos combatê-la?
  3. Ecoa Uol – Discurso de ódio promove discriminação e até violência
  4. BBC – Discurso de ódio na internet aumentou durante a pandemia, aponta pesquisa
  5. LEI No 5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1967
  6. MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso do ódio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
  7. LEI No 5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1967
  8. Jus.com.br – Crimes de discurso de ódio na internet
  9. Suzy Colaço – Cyberbullying, o que diz a lei e quais seus direitos
  10. Verificado através do site Época Negócios.
  11. Frase original: “You do your worst and we will do our best”. Verificado através da International Churchill Society.