Fundamentalmente, a palavra ressocialização (do ato de socializar, muitas vezes relacionada a presidiários) é compreendida como sendo parte de um processo entre ser humano e a sociedade. Sendo assim, a ressocialização pode ser um aparelho para reconstruir a personalidade de uma determinada pessoa ou grupo, para moldá-lo. Para que isso ocorra, é necessário ter como base as relações e experiências entre duas pessoas diferentes.1
Para ajudar você a entender melhor esses aspectos, trazemos a seguinte definição:
Inserção em sociedade; processo de ressocializar, de voltar a pertencer, a fazer parte de uma sociedade: ressocialização de presos ou encarcerados.
Dicio, Dicionário Online de Português.2
Nesse sentido, é fácil perceber que a chamada “ressocialização” faz referência principalmente ao ato de reintegrar uma pessoa na sociedade. Ou seja, a pessoa volta a se sentir uma parte do todo. Além disso, é bastante comum vermos esse tipo de reinserção quando falamos, por exemplo, da readaptação de ex-presidiários.
Para explorar o tema de forma mais abrangente, neste artigo nós iremos abordar três aspectos da temáticas, são eles:
- As dificuldades enfrentadas pelos ex-presidiários;
- Aspectos da ressocialização de ex-presidiários;
- Sistemas prisionais que deram certo.
Dificuldades enfrentadas pelos ex-presidiários
Cultura, tradição, costume. Na maioria das vezes, essas palavras são interpretadas como sendo algo positivo, mas nesse caso em específico não é bem assim. Afinal, os detentos nos presídios brasileiros bem entendem sobre isso.
No Brasil, a realidade nas cadeias (de baixa e alta segurança) é bem hostil ao ideal da ressocialização de presidiários. O sistema prisional brasileiro, muitas vezes, insere nos presos uma determinada cultura, por exemplo, nesse ambiente não raro o presidiário precisa se filiar a grupos facciosos na tentativa de conseguir permanece vivos. Isso colabora para que os moradores do sistema prisional possam enxergar as coisas de maneira diferente (nesse caso 3, 4, 5 vezes pior).
Eles acabam se adaptando a essa nova realidade sem ter muitas opções. Depois de toda essa trama, muitos conseguem cumprir suas penas e são colocados em liberdade, mas essa liberdade garante apenas que saiam das celas ocupadas na prisão, mas o que garante que eles estarão também libertos dos costumes ruins que podem ter adquirido?3
Capeller (1985, apud JULIÃO, 2009, p. 71) afirma:
O discurso jurídico sobre a ressocialização e, consequentemente, a construção do conceito, nasceu ao mesmo tempo que a tecnificação do castigo.
Quando o ‘velho’ castigo, expresso nas penas inquisitoriais, foi substituído pelo castigo ‘humanitário’ dos novos tempos, por uma nova maneira de disposição dos corpos, já não agora dilacerados, mas encarcerados; quando se cristaliza o sistema prisional e a pena é, por excelência, a pena privativa de liberdade; quando se procura mecanizar os corpos e as mentes para a disciplina do trabalho nas fábricas, aí surge, então, o discurso da ressocialização, que é em seu substrato, o retreinamento dos indivíduos para a sociedade do capital. Neste sentido, o discurso dos ‘bons’ no alto da sua caridade, é o de pretender recuperar os ‘maus’.
Capeller (1985, apud JULIÃO, 2009, p. 71).
Afunilando toda a ideia acima, Capeller nos trás à tona que quando ouvimos falar em ressocialização, instantaneamente emerge em nossas mentes a ideia pré-concebida de que se trata de algo “inexistente”, ou seja, algo que acreditamos que não irá ocorrer.
Um dos pontos a ser reforçado é que a ideia de que “pau que nasce torto, nunca se endireita” está enraizado na maioria dos indivíduos da sociedade Nesse sentido, muitos indivíduos acreditam que pessoas que já ficaram reclusas de suas liberdades jamais voltariam reeducadas para uma nova vida, além disso, poderiam inclusive voltar a praticar os mesmos crimes. Entretanto, essa noção popularmente conhecida não trata de algo invariavelmente verdadeiro, já que existem muitos ex-presidiários que se arrependeram de fato dos crimes que cometeram.
Notoriamente, para que essa ressocialização de fato aconteça, os ex-presidiários têm que desejar e buscar por essa virada de página, mas também há de se afirmar que estes sozinhos dificilmente conseguirão essa mudança, já que, por trás da esperança que existe nela, também há uma grande barreira a ser rompida: a mentalidade banal do mal, que muitas vezes é replicada pela própria sociedade quando não aceita que essas pessoas estão verdadeiramente arrependidas de seus atos criminosos e acabam segregando os mesmos.
Nesse viés, é fundamental que alguns setores sociais, que vão além do Estado, se articulem para conter esse cenário, podem ser feitas desde uma mobilizações voluntária até projetos institucionalmente mais robustos.
Fato é que estes indivíduos precisam abandonar as práticas que causam danos a si e ao meio social urbano/rural, e que também necessitam conquistar ou reconquistar seus espaços dignamente no mundo fora das barras das celas que em outra hora ocuparam nas prisões.4
Sistemas prisionais que deram certo
Apesar de normalmente pensarmos em presídios como um antro de drogas e, até mesmo, potenciador da violência, nem todos os presídios nacionais são assim.
Nesse sentido,os presídios brasileiros que são administrados pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) são modelos quando falamos da reintegração. Essa associação é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que visa recuperar os condenados das prisões nacionais. Além disso, possui como objetivo gerar a humanização dos presídios.5
As diferenças entre os sistemas controlados pela APAC e os demais são variadas, entre elas, os habitantes desses presídios:
- podem comer com talheres;
- Podem trabalhar com serras e outras ferramentas;
- Possuem camas com ventilador;
- São chamados de recuperandos, e não “presos”;
- Seguem uma rotina comum que inclui oração, trabalho, estudo e outros;
- Têm culto evangélico, missa católica e canto;
Ademais, é importante ressaltar dois aspectos desses presídios:
- Economia: enquanto no sistema tradicional um interno custa cerca de 2 mil reais, nos presídios APAC eles custam metade;
- Melhora efetiva: enquanto no sistema prisional tradicional a taxa de reincidência é de cerca de 70%, nos APAC a reincidência fica em torno dos 15%.6
Repertório Sociocultural
Músicas
- Faroeste Caboclo, música do Legião Urbana: a música conta a história do João de Santo Cristo, uma pessoa que nasceu em condições adversas, passou pela prisão mais de uma vez e, mesmo após essas passagens não conseguiu retomar sua vida.
- Diário de um detento, música dos Racionais MC’s: esse rap apresenta a visão sobre como é um dia no presídio, apresentando em detalhes vários dos dos desafios enfrentados no dia-a-dia pela população carcerária nacional.
Livro
- Estação Carandiru, livro e filme do doutor Drauzio Varella: esse livro expõe suas experiências enquanto voluntário, durante mais de 10 anos no maior presídio do Brasil. O filme está disponível na Netflix.
Citações para redação
Já no primeiro roubo ele dançou, e pro inferno [a prisão] ele foi pela primeira vez, violência e estupro do seu corpo, vocês vão ver, eu vou pegar vocês! Agora o Santo Cristo era bandido, destemido e temido no Distrito Federal.
Trecho da música “Faroeste Caboclo”, do Legião Urbana que mostra que após passar pela prisão Santo Cristo saiu de lá “bandido”. 7
Cada detento uma mãe, uma crença,
Cada crime uma sentença,
Cada sentença um motivo, uma história de lágrima.
Trecho da música “Diário de um detento”, dos Racionais MC’s. 8
Fontes e referências
- Âmbito jurídico – A ressocialização dos egressos do sistema prisional
- Dicio, Dicionário Online de Português
- JUS.com.br – A dificuldade que os ex-detentos enfrentam frente ao seu retorno a sociedade
- Âmbito jurídico – A ressocialização dos egressos do sistema prisional
- Jusbrasil – APAC: Um modelo de humanização do Sistema Penitenciário brasileiro
- El País – As prisões sem guardas nem armas do Brasil vistas de dentro
- Verificado através da música original.
- Verificado através da letra da música original