Variedade Linguística no Brasil: tipos, origem e identidade

O Brasil, com suas dimensões continentais e uma história rica, é lar de grande variedade linguística. Porém, quais as particularidades dessa variedade?

O Brasil, com suas dimensões continentais e uma história rica e plural, é lar de uma das maiores diversidades linguísticas do mundo. Pense só: desde os dialetos indígenas até os sotaques do português que ouvimos de norte a sul, nossa linguagem reflete a nossa rica diversidade cultural.

Será que toda essa variedade linguística é igualmente respeitada e conservada como um patrimônio nacional?

Tipos de variações linguísticas

As variações linguísticas podem ser influenciadas por diversos fatores:

Fatores Geográficos (Variações Diatópicas)

Essas variações estão relacionadas ao local onde a variação acontece (pode ser uma distância regional ou continental).

Exemplo

A diferença entre o português do Brasil e de Portugal ou a diferença entre o português falado nas diferentes regiões do país (como a clássica diferença entre biscoito e bolacha, vina e salsicha).

Fatores Sociais (Variações Diastráticas)

Essas variações estão atreladas às classes sociais. Cada grupo social pode ter palavras e expressões específicas, influenciadas por aspectos como profissão, faixa etária, estrato social, etc.

Tais variações são conhecidas como dialetos e representam formas de comunicação adotadas por comunidades que falam o mesmo idioma.

Exemplo

A forma como grupos se comunicam, por exemplo, a forma como um grupo de skatistas de comunica, a forma como jovens falam nas redes sociais.

Fatores Situacionais (Variações Diafásicas)

Essas variações dependem do contexto em que a conversa ocorre, como um contexto formal ou informal, por exemplo.

Exemplo

A diferença entre a forma de se comunicar de um advogado no trabalho e em casa (assumindo que esse advogado se comunique de maneira informal em sua casa).

Fatores Históricos

Essas variações estão ligadas à evolução da língua ao longo do tempo, considerando o contexto histórico e político.

Exemplo

A palavra “você”, que antigamente adotava variações como “vossemecê”, “vosmecê” e finalmente se tornou “você” com o passar dos anos.

De onde vem toda essa diversidade?

Antes de Pedro Álvares Cabral aportar por aqui, os povos indígenas (primeiros habitantes do Brasil) já falavam mais de mil línguas diferentes. Porém, com a chegada dos portugueses, o tráfico transatlântico de escravizados e a onda de imigração de outras partes do mundo, a paisagem linguística do país se transformou.

Dados sobre a Variedade Linguística

Segundo o Grupo de Diversidade Linguística do Brasil (GTDL)1, são falados mais de 210 idiomas no país. Isso inclui:

  • 180 línguas indígenas,
  • 30 línguas de comunidades de imigrantes,
  • duas línguas de sinais
  • e o nosso português (que apresenta uma série de sotaques e variações dependendo de onde você estiver).

Porém, nem tudo são flores nessa história. Desde 1500, vimos uma queda de 85% no número de línguas indígenas faladas.2 Tanto o domínio colonial português quanto o Estado brasileiro pós-independência promoveram políticas de unificação linguística, elegendo o português como a única língua oficial e legítima.

Além dos povos indígenas, os imigrantes, que começaram a popular o país após 1850, juntamente com seus descendentes, também foram alvo dessa imposição linguística. Durante o Estado Novo (1937 – 1945) 3, houve uma intensa repressão às línguas estrangeiras, em uma tentativa de “nacionalizar” o ensino e erradicar línguas de imigração como o japonês, polonês, ucraniano, pomerano, hunsrückisch, talian e diversas línguas ciganas.

A língua como molde da nossa identidade

Há uma razão pela qual Aristóteles, o renomado filósofo grego, se referiu ao ser humano como um “animal político”4. Essa definição se refere menos à nossa habilidade de nos engajar em processos políticos, e mais à nossa capacidade de comunicação e interação, já que nós possuímos a palavra (logos).

A linguagem, portanto, não é apenas uma ferramenta para transmitir informações; ela é o meio pelo qual nos vemos, compreendemos nosso lugar no mundo e decidimos como nos relacionar com os outros. Para compreender o poder intrínseco da língua, é essencial olhar para ela como um veículo que molda a cultura.5

O Brasil é o lar de povos com origens e trajetórias diversas, desde os povos indígenas até os imigrantes que aqui chegaram. Cada grupo trouxe consigo sua língua, suas tradições e sua maneira de ver o mundo. A variedade linguística, portanto, é um testemunho vivo dessas múltiplas trajetórias. Através dela, cada sub-cultura no Brasil tem a oportunidade de expressar e desenvolver sua identidade, de se reconhecer e ser reconhecida.

O preconceito linguístico

Frequentemente, associamos “preconceito” à raça, gênero ou orientação sexual. Porém, o preconceito linguístico é uma discriminação dissimulada, que esconde preconceitos mais profundos e até inconscientes.

Imagine ser avaliado não pelo conteúdo, mas pelo “sotaque” ou “forma” de falar. Marcos Bagno 6 ressalta que essa discriminação surge ao comparar-se uma língua “ideal” – muitas vezes ultrapassada e não representativa da fala contemporânea – com as ricas variações linguísticas da realidade. Este “ideal”, influenciado por modelos literários, gramáticais e até referências de línguas antigas (como o latim), é em grande medida artificial.

Enquanto nossa diversidade linguística deveria ser celebrada, ela torna-se, ironicamente, um vetor de discriminação. Muitas vezes, o modo de falar é apenas um disfarce para julgar classe, raça ou educação.


A língua como instrumento de comunicação é uma extensão de como percebemos e interagimos com o mundo à nossa volta. É por isso que a variedade linguística do Brasil não deve ser vista apenas como uma característica técnica, mas como uma representação da diversidade e complexidade da cultura brasileira.

E você, acha que a variedade linguística brasileira deve ser considerada um patrimônio nacional?


Repertório sociocultural

Livros

  • A língua de Eulália: novela sóciolinguística (Marcos Bagno) – uma forma diferente de abordar o tema, através de uma narrativa ficcional. O livro se desenvolve como uma conversa entre três alunas universitárias sobre as variedades do português e a existência do preconceito linguístico.
  • Norma Culta Brasileira: Desatando Alguns Nós (Carlos Alberto Faraco) – esse livro oferece uma análise sobre a relação entre língua, gramática e os aspectos sociais e culturais da sociedade brasileira. Faraco examina como as línguas operam e moldam a cultura, destacando a complexidade do conceito de norma culta.

Fatos históricos

  • Divergência do Português Europeu: A divergência entre o português brasileiro e o português europeu começou a se manifestar mais claramente a partir do século XVIII. No entanto, foi ao longo do século XIX e início do século XX que as diferenças se tornaram mais pronunciadas, devido à independência do Brasil em 1822 e às subsequentes políticas linguísticas e culturais internas.
  • Imigração: No século XIX e início do século XX, o Brasil recebeu milhões de imigrantes de países como Itália, Alemanha, Espanha, Japão, entre outros. Esses imigrantes trouxeram suas línguas e influenciaram ainda mais a linguagem e a cultura em diversas regiões do Brasil.
  • Estado Novo e Nacionalismo (1937-1945): Durante o regime de Getúlio Vargas, houve um forte impulso nacionalista. O governo promoveu uma versão “pura” do português, restringindo línguas estrangeiras, especialmente em comunidades imigrantes. O rádio difundiu o português padrão, e a propaganda estatal manipulou a linguagem para criar unidade.

Músicas

Citações

O imperialismo dos gramáticos dura mais e vai mais fundo que o dos generais.

Fernando Pessoa, escritor português, em 1979 na obra “Sobre Portugal. Introdução ao Problema Nacional“, Lisboa, Ática, 1979, p. 240.7

Enquanto a água do rio/língua, por estar em movimento, se renova incessantemente, a água do igapó/gramática normativa envelhece e só se renovará quando vier a próxima cheia.

Marcos Bagno, linguista brasileiro, em1999 na obra “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz”, Editora Loyola, ed. 49, p. 10.8

Acredito que errado é aquele que fala correto e não vive o que diz.

Música “Zazulejo” de “O Teatro Mágico”.9

Fontes e referências

  1. Retratos – Somos 210 Brasis
  2. Línguas indígenas correm risco de desaparecer
  3. O discurso sobre a língua no período Vargas (Estado Novo – 1937/1945)
  4. A Política
  5. Language and Identity
  6. Preconceito Linguístico
  7. Verificado através do site Folha de Poesia.
  8. Verificado através do Livro Preconceito Linguístico.
  9. Verificado através da Música Zazulejo.